"Cuidado
que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a
tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo"
(Colossenses 2.8).
O
que eu chamo de “Usos e Costumes” são as práticas consideradas boas pela
sociedade a qual a igreja está inserida. Essas práticas, por serem aceitas pela
maioria, se transformam na moral
daquela sociedade e acabam por influenciar o que a igreja prega.
Se
o ensino dessas boas práticas ficasse apenas na forma de conselho ou de opinião
pessoal do pregador, seria algo saudável. Todavia, o problema realmente começa
quando essas práticas são postas como se fossem Palavra de Deus dentro das igrejas.
Primeiro
porque escraviza o povo sob um jugo a qual Cristo jamais impôs sobre eles. Os
Fariseus “atam fardos pesados e difíceis
de carregar” (cf. Mt 23.4), enquanto que o julgo de Jesus é suave, e o seu
fardo leve (cf. Mt 11.30).
Segundo
porque não necessariamente o que é visto como prática boa pela sociedade é de
fato boa aos olhos de Deus e faz bem ao homem. A prática da proibição do
casamento no Clero, por exemplo, foi uma prática imposta pela igreja católica,
mas que se iniciou dentro do movimento filosófico gnóstico. O gnosticismo
ensinava que toda a matéria era má, e que qualquer desejo da matéria (nossa
carne), era ruim. Assim, para os gnósticos, ter um nível de espiritualidade
elevado era equivalente a não atender aos desejos por comida desejosa aos olhos,
por isso eles comiam apenas legumes; o desejo sexual, ainda que dentro do
casamento, era proibido, por isso muitos até decepavam o próprio órgão sexual.
Essa
última prática entrou com muita força dentro da igreja após os anos trezentos, posto
que muitos homens de grande vulto as defendiam, dentre eles o principal era
Agostinho de Hipona (não pensem que ele não tinha “embasamento bíblico” no que
ensinava).
Hoje
ainda herdamos muito adoecimento de alma em função dessa doutrina de
demonização do sexo. Muitas pessoas sinceras de coração na sua fé se sentem impuras
ao praticar sexo com seu cônjuge se não for para procriação; os jovens, nas
igrejas mais tradicionais, se sentem
impuros ao praticarem masturbação em função da proibição imposta. Nada disso
está na Bíblia, mas o que não falta é gente fazendo malabarismos com a
Escritura para embasarem seus ensinos humanos.
Para
entendermos mais profundamente o perigo dessas doutrinas humanas, precisamos
analisar onde tudo começou.
No
Éden, Deus proibiu que o homem comesse do fruto da árvore do conhecimento do
bem e do mal. Porém, vendo Eva “que a
árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar
entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu”
(Gn 3.6). Aqui a humanidade relativizou o que Deus disse que era bom e colocou
em seu lugar o que o próprio homem achava ser bom. Assim, o que era bom de
verdade passou a ser visto como mau e o que era mau passou a ser visto como bom
– no caso em questão o fruto passou a ser agradável aos olhos de Eva, mesmo
Deus tendo dado a proibição.
Portanto,
na queda nasceram todas as diferenças culturais existentes ao redor do mundo no
que se refere ao que é certo e errado, uma vez que Eva tornou relativo. Para os
índios, não há problema usar pouca roupa, mas para os islâmicos, quanto mais se
cobrir melhor; para os portugueses beber vinho é completamente normal, mas para
os brasileiros mais conservadores isso é quase um crime, ainda que feito moderadamente
conforme recomenda a Palavra.
São
incontáveis as diferenças contidas nas práticas de cada cultura. Mas, qual a
maneira correta de encararmos essas diferenças? – Para entendermos isso
precisamos nos voltar para a Palavra de Deus, fazendo exatamente o que Eva não
fez.
1 – NÃO ADICIONAR NADA
AO QUE DEUS DISSE
Nós
podemos seguir todo tipo de regra que acharmos que fará bem para nossa
caminhada de fé. Eu mesmo tenho várias regras que balizam o meu procedimento.
Por exemplo, até o momento eu não pretendo usar tatuagem porque eu acredito que isso criaria uma
barreira para que eu pregue o Evangelho no meio que eu convivo, posto ser um
meio mais conservador. Não existe mandamento de Deus no Evangelho acerca desse
assunto. Portanto, sou livre para escolher. E eu escolhi não fazer tatuagem.
Mas,
se outrem quiser fazer uma tatuagem, eu posso no máximo dar a minha opinião
sobre esse assunto. A decisão final, no entanto, será da pessoa e não será pecado
caso ela decida por fazer a tatuagem.
Isso
porque se eu forçar alguém a seguir os meus costumes, especialmente fazendo uso
de malabarismos bíblicos para embasar meu pensamento, estarei adulterando a
Palavra de Deus, fazendo-a dizer algo que ela nunca disse. Além disso, quando
tento forçar alguém a seguir minhas leis, lanço sobre este um peso a qual Jesus
prometeu tirar quando disse “vinde a mim...”. O único peso que as pessoas têm a
obrigação de levar é o de Jesus, que é suave e leve, posto ser baseado apenas
no Evangelho.
Eva,
quando perguntada pela serpente acerca do mandamento de Deus, disse que Ele havia
falado: “mas do fruto da árvore que está
no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.” (Gn 3.3). Deus nunca
disse que ela não deveria tocar. Ela adicionou isso ao mandamento. Nela nasceu
o que posteriormente Jesus veio a chamar de “doutrina dos anciãos”, e o que
Paulo também chamou de “doutrina de homens”.
A
motivação de Eva em ter adicionado esse mandamento era clara: o medo da
tentação. Ela provavelmente pensou que ao incluir o “não tocar” estaria mais
protegida da tentação da serpente. É também baseado no medo da tentação que os
pastores criam doutrinas que, aos olhos deles, servem de proteção para a
tentação. O problema é que essas “cercas protetoras” não funcionaram no passado
com Eva, e também não funcionarão hoje.
Um
pastor, certa vez, estava pregando a proibição de alguém ir ao cinema, porque
lá havia a possibilidade de se cair na tentação sexual, visto estar no escuro
perto de outra pessoa. Essa “cerca” que ele criou realmente funcionou em parte.
Os jovens da igreja dele nunca fizeram sexo no cinema, mas faziam em todos os
outros lugares, porque o desejo contido no coração não pode ser freado por
cercas humanas, mas só pelo Espírito Santo de Deus agindo através do Evangelho,
e nada mais!
Não podemos tirar nem adicionar nada ao
Evangelho, pois se assim fizermos incorreremos em grave erro. Paulo ensinou: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo
do céu vos pregue evangelho que vá além
do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gl. 1.8). João também disse: "Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho." (2 João 9).
Jesus disse para tomarmos cuidado com o “fermento dos fariseus” (cf. Lc 12.1). O
fermento é o elemento responsável por inchar a massa, e era exatamente isso que
os fariseus faziam, pois “em vão adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15.9). Fermentar o
Evangelho nada mais é que inchá-lo com doutrinas e preceitos que são apenas
mandamentos humanos. Para Deus isso é apenas uma adoração vã, que não serve de
nada.
Em Eva esse comportamento começou, passou
pela época de Jesus, e está presente entre nós até o dia de hoje. No entanto, o
livro de Apocalipse diz que quem adicionar ou tirar algo da Palavra de Deus,
este sofrerá as devidas consequências por essa atitude (cf. Ap 22.18-19).
Portanto, temamos, para que não venhamos a colocar nossos pensamentos
individuais como sendo Palavra de Deus.
2 - AS COISAS SÃO MÁS?
O principal erro dos adoecidos pela síndrome
de Eva é acharem que o problema está nas coisas, e não nas pessoas.
“Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus,
de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a
considera; para esse é impura.” (Romanos 14.14).
A sociedade separa as coisas entre ruins e
boas pela associação que a consciência do coletivo faz a respeito dessas coisas.
Se um objeto está associado a coisas ou situações boas, será tido como uma
coisa boa. Porém, se um objeto está associado a algo ruim ou foi usado por
pessoas que trouxeram dano à sociedade, quem o usar será visto como alguém
ruim, mesmo que este não seja.
Por exemplo, as tatuagens são vistas como
coisas ruins porque os seus principais percussores foram os hippies. Logo,
quando uma pessoa do bem faz uma tatuagem, os que viveram na época hippie farão
uma associação que os levará a pensar que aquela pessoa é ruim, mesmo sem ao menos
conhecê-la.
Todavia, o que faz uma pessoa ser ruim não é
o que está do lado de fora, mas sim o que está do lado de dentro. Não é uma
tatuagem, estilo de cabelo, ou adereços que vão fazer alguém pecar mais ou
pecar menos.
O método do conceito preconcebido de julgar
alguém é condenado por Deus. Ele mostra isso quando prefere escolher o pequeno
Davi em detrimento dos seus fortes irmãos de guerra. Porque “o SENHOR não vê como vê o homem. O homem vê
o exterior, porém o SENHOR, o coração.” (cf. 1 Sm 16.7). Jesus também
disse: “Não julgueis segundo a aparência,
e sim pela reta justiça.” (João 7.24).
Em Mateus 15 alguns religiosos da época de
Jesus reclamaram do fato de os seus discípulos não seguirem a tradição de lavar
muitas vezes as mãos antes de comer, ao que Jesus respondeu: “não é o que entra pela boca o que contamina
o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem. Porque do coração
procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos, blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem; mas o
comer sem lavar as mãos não o contamina.” (Mateus 15.11,19-20).
Aqui Jesus destrói a ideia de que as coisas
que estão do lado de fora possam nos contaminar e interferir do lado de dentro.
O que faz com que nós pequemos contra Deus e contra o próximo é o pecado que
está contido no coração de todos os seres humanos.
Falar que adereços, usos, ou costumes causam
decadência na vida espiritual do homem é um erro. Mas, infelizmente, esse
pensamento ainda existe em nosso meio numa forma tão sutil que dificilmente
conseguimos perceber.
Por exemplo, nós muitas vezes debochamos do
costume dos católicos fazerem o sinal da cruz ao passar em frente a alguma
igreja católica, mas em todas as refeições os evangélicos são doutrinados a
fazer uma oração, ainda que nem mesmo Jesus tenha feito em todas, posto não ter
orado quando ressuscitou e comeu peixe junto aos discípulos (cf. Lc 24.41-43).
Nós rimos quando os católicos andam com um
terço no pulso ou uma cruz como colar ao redor do pescoço, mas esquecemos de
que a maioria dos evangélicos acredita que Deus se importa com a frequência de
vezes que eles vão ao templo durante a semana.
No fundo, só se mudam as formas, mas todas as
religiões têm suas crendices de que costumes ou objetos podem te fazer ser
alguém mais ou menos espiritual. A recomendação de Paulo sobre esses assuntos
é:
“Se morrestes com Cristo para os rudimentos
do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não
manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas
coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de
sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético;
todavia, não têm valor algum contra a
sensualidade.” (Cl
2.20-23).
O que mais me chama atenção no texto acima é
a impotência dessas cercas humanas em
face ao desejo contido no coração. Como diz o texto, essas cercas têm até
alguma aparência de sabedoria. É visualmente bonito ver alguém rigoroso
asceticamente falando; todavia, nada disso tem poder algum contra a
sensualidade. Não importa se a saia da irmã é longa ao ponto de ir até o
calcanhar, se ela não cuidar do próprio coração ela vai acabar traindo seu
marido; não importa se você assiste ou não filmes violentos, se você não cuidar
do próprio coração você poderá violentar alguém de uma forma ou de outra. As
cercas humanas são como pedaços de papel que são facilmente traspassados pelos
dardos inflamados do maligno.
Todavia, é importante ressaltar que embora as
coisas de fora não contaminem o interior do homem, elas podem avultar um desejo
específico que lá já estava contido. O que quero dizer é: algumas pessoas têm
dificuldades específicas que podem ser avultadas através de um uso ou costume,
especialmente quando a consciência ainda não está completamente amadurecida no
Evangelho.
Por exemplo, ao final de uma pregação minha sobre
esse assunto – aplicada a realidade das crianças – uma mãe veio me perguntar o
que fazer com a filha que gostava muito de assistir um desenho sobre bruxas.
Ora, veio-me à mente a época da minha meninice onde eu gostava de assistir
desenhos de luta, mas isso nunca me influenciou a ser um garoto violento. Por
outro lado, na minha adolescência eu assisti uma série que falava sobre coisas
sobrenaturais e eu comecei a me interessar pelo assunto, quando menos percebi
estava lendo sobre ocultismo e quase entrei na prática.
A
lição que eu tiro é que não devemos proibir, mas devemos observar se essas
coisas estão influenciando nossos filhos ou a nós mesmos. Caso a influência
ocorra de forma contínua, devemos imediatamente tomar uma ação preventiva e
corretiva.
O
que estou dizendo é: se, por exemplo, você tem/teve problemas relacionados a
alcoolismo, e se ao passar perto de um bar você percebe que o desejo aflora
novamente, porque passar perto de lá? Crie uma “cerca” e entenda que
preventivamente você deve passar longe de bares. Todavia, como falei
anteriormente, essa cerca não vai resolver o problema que está contido no
coração, ela só vai lhe dar uma proteção temporária para que você possa tratar
o problema em sua raiz. Caso não seja tratado, as crises vão vir, porque o
desejo continuará instalado e acumulado no coração, e vai chegar um momento em
que a cerca vai se romper e você se renderá a esses desejos novamente.
Há
ainda um último tema importante de ser analisado no que se refere à neutralidade
das coisas: como disse Paulo, as coisas não são ruins de si mesmas, mas nós podemos
fazer mau uso delas.
Em
todas as épocas a igreja resolveu demonizar coisas que, segundo Paulo, não são
de si mesmo impuras. E vimos que, segundo Eva, isso ocorre pelo medo da tentação
da serpente, mas que nada serve como resolução do problema, pois o mesmo está
contido no coração.
No
exato momento em que escrevo esse livro, as alas mais tradicionais da igreja
estão demonizando um jogo de realidade aumentada chamado Pokemon Go. Esse tipo de demonização não é novidade pra mim. Na
época da minha conversão, em meados de 2007, a igreja a qual congregava
condenava o uso de uma rede social chamada Orkut. Na época dos meus pais,
década de 80/90, a televisão era a demonizada da vez.
Isso
sempre aconteceu em todas as épocas. Os motivos dados e os malabarismos
bíblicos para provarem que essas coisas não eram de Deus eram os mais variados
e bizarros que se possa imaginar.
No
entanto, embora saibamos que as coisas não sejam ruins de si mesmas, nós
podemos fazê-las ruins para nós se não soubermos usá-las devidamente.
Uma
pistola pode ser mal usada nas mãos de um bandido, mas pode ser bem usada por
um cidadão que quer tão somente proteger sua família; uma rede social pode ser
mal usada quando um marido a usa para procurar outras mulheres, mas pode ser
bem usada simplesmente quando alguém quer manter amizades antigas e
compartilhar boas mensagens com sua rede de contatos; um jogo, seja ele qual
for, pode ser mal usado e se transformar em um vício nas mãos de alguns, mas se
bem usado pode trazer um momento de diversão entre a garotada.
Portanto,
façamos bom uso de todas as coisas que estão ao nosso redor para nosso próprio
benefício e, se possível, até mesmo para o benefício do nosso próximo. Isso é o
“fazer tudo para a glória de Deus”, conforme Paulo.
3 – MINHA LIBERDADE EM
RELAÇÃO AO PRÓXIMO
Quanto
maior a liberdade, maior deve ser a nossa responsabilidade. Quem tem lido e
entendido tudo o que venho escrevendo nesse livro está apto a viver toda a liberdade
que há em Cristo sem sofrer nas mãos da dogmatização da igreja, do moralismo
superficial da sociedade e, sobretudo, sem dar ocasião à carne.
No
entanto, essa nossa liberdade no sentido prático precisa passar pelo crivo da
consciência do nosso próximo. Isso é importante pelas seguintes razões: A)
poderíamos aniquilar a consciência dos mais fracos na fé; B) nossa liberdade
poderia ser uma barreira na pregação do Evangelho para os descrentes.
A) Consciência
dos mais fracos
Em
1 Coríntios 8 o Apóstolo Paulo escreve acerca de uma situação equivalente ao
tema em que estamos tratando. O que acontece é que alguns crentes mais
experientes daquela cidade estavam comendo carnes de animais que haviam sido
sacrificados aos ídolos pagãos. Muitas vezes, após o sacrifício ser feito, a carne
do animal era vendida no mercado local, e esses crentes compravam. Outras
vezes, eles inclusive aceitavam convites de amigos ou familiares para jantar nos
templos desses ídolos e, naturalmente, comiam da carne dos sacrifícios que
haviam sido feitos (vs. 10).
Paulo
não condena diretamente a atitude desses crentes. Afinal, a prática de
sacrificar um animal a um ídolo é equivalente a nada, visto que “sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no
mundo e que não há senão um só Deus. Porque, ainda que há também alguns que se
chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos
senhores, todavia, para nós há um só Deus” (1 Co 8.4-6).
A
prática do sacrifício não deixava a carne do animal impura, porque esses deuses
não existiam e, portanto, não poderiam amaldiçoar nada. Assim, aos olhos de
Deus não havia pecado em alguém comer dessas carnes que foram sacrificadas aos
ídolos.
Ter
esse conhecimento mostrava o quão inteligentes eram aqueles crentes da cidade
de Corinto. Porém, “o saber ensoberbece,
mas o amor edifica.” (vs. 1). Esse amor que edifica é o que estava faltando
no coração de alguns daqueles cristãos.
Ora,
haviam crentes recém-convertidos no meio deles que tinham saído há pouco tempo
desse meio pagão. E, para eles, essas carnes sacrificadas aos ídolos estavam
realmente consagradas aos deuses daquelas regiões. Pela falta de tempo de
caminhada na fé cristã eles ainda não tinham maturidade para entender o que os
demais entendiam.
Então,
Paulo diz: “se alguém te vir a ti, que és
dotado de saber, à mesa, em templo de ídolo, não será a consciência do que é
fraco induzida a participar de comidas sacrificadas a ídolos? E assim, por
causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu.” (1 Co
8.10-11).
Ao
verem os mais maduros comendo desse tipo de carne, os demais também seriam
induzidos a comer, mas depois ficariam com a consciência pesada, achando que
haviam cometido pecado por terem comido.
Assim,
Paulo conclui: “E, por isso, se a comida
serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a
escandalizá-lo.” (1 Co 8.13).
É
importante ressaltar que esse cuidado que devemos ter não é somente com os
irmãos recém-convertidos, mas também com os que pelo tempo decorrido deviam ser
mestres e não são. A esses, devemos ensinar em amor para que eles entendam a
liberdade que têm em Cristo.
No
entanto, se mesmo após o ensino eles resolverem se endurecer para essas verdades,
não teremos mais que termos medo de escandalizá-los. Teremos sim, que
enfrentá-los, posto terem conhecido a verdade e estarem se endurecendo a ela.
Devemos
lembrar que Jesus quebrou muitos paradigmas sociais da sua época e escandalizou
a muitos. Pelos relatos dos evangelhos, Ele fazia questão de curar as pessoas
aos sábados; ao curar leprosos, Ele fazia questão de tocá-los; se relacionava com
gentios – pessoas de outras nacionalidades; comia carne e bebia vinho com publicanos
e pecadores; enfim, acredito que após ensinar ao povo acerca da verdade, ele a
praticava, ou, usava da sua liberdade para gerar escândalo e ser questionado
por eles para, então, ensinar a liberdade do evangelho. Assim, acredito que Ele
fazia em amor, visando a edificação do próximo.
Portanto,
tenhamos cuidado ao exercer nossa liberdade em Cristo na frente de irmãos mais
fracos. Imagine que alguém acabou de sair de uma vida de farras e bebedices e
se converteu ao Evangelho, seria correto tomar um copo de cerveja na frente
dele? As chances de aniquilarmos a sua consciência seria enorme!
A
atitude correta a se fazer seria abrir mão da liberdade de fazer isso na frente
dele e, ao mesmo tempo, ensiná-lo aos poucos que não há proibição de Deus a
esse respeito no Evangelho. Afinal, o próprio Jesus era chamado de “bebedor de vinho, amigo de publicanos e
pecadores” (Lc 7.34). Mas que, por outro lado, há severas proibições acerca
da embriaguez (cf. Lc 21.34; Ef 5.18; 1 Pe 4.3).
E
por que é proibida a embriaguez? Vamos pôr em prática o que temos aprendido até
aqui? – Ora, se alguém bebe até perder o controle das próprias atitudes, este
vai ser um risco em potencial a ele mesmo e ao próximo, ferindo assim o
princípio eterno do amor. Veja como é fácil! Com esse tipo de entendimento
podemos discernir o que é pecado sem precisarmos seguir dogmaticamente as
cartilhas religiosas. Digo, agora sei que a embriaguez é pecado não somente
porque está escrito ou porque o pastor disse, mas porque eu entendo que é o
melhor para mim e para o próximo.
B) Barreira
para o Evangelho
Muitas
vezes a nossa liberdade em Cristo pode se constituir em escândalo para os
descrentes – embora que as coisas que escandalizam um descrente sejam
infinitamente menores do que o que escandaliza um religioso.
Em
Mateus 17, por exemplo, quando perguntaram se Jesus pagaria as duas dracmas do
imposto, Ele prontamente decidiu pagar, mesmo sem ser necessário que o fizesse.
Ora, Jesus era da descendência de Davi, o mesmo que derrotou Golias e recebeu
duas coisas como recompensa: a filha do rei Saul e a isenção de impostos para
toda a sua casa em Israel (cf. 1 Sm 17.25).
No
entanto, Jesus abriu mão dessa liberdade, tudo isso “para que não os escandalizemos” (Mt 17.27). Ou seja, para que não
mudassem de assunto usando isso contra Ele enquanto estivesse em um debate; ou
para que não usassem isso como desculpa para desqualificar sua mensagem, o que
poderia levá-los a fechar o coração para o Evangelho. Afinal, como um sonegador
de impostos poderia requerer que eu mudasse de vida? – Alguém poderia pensar.
A
maioria dos descrentes não são conservadores e, portanto, desde que você cumpra
com esses deveres comuns de cidadão como pagar suas contas, não fazer gato de energia na sua casa, e cumprir a
lei do país nos aspectos mais gerais, sua mensagem não será desqualificada.
Tudo
também depende de qual é o grupo que você deseja alcançar e onde você está
inserido. Se você é um skatista e deseja iniciar um trabalho de evangelismo entre
eles, não precisa se preocupar em tirar o seu alargador da orelha, eles não
irão se escandalizar com isso. Ao contrário, talvez manter um visual parecido
com o deles lhe abra portas para pregação do Evangelho. Ainda que esse método
possa trazer falatório de outros setores da sociedade, o que importa é que
almas estarão sendo salvas!
O
próprio Senhor Jesus, sendo homem solteiro e novo, estando sozinho conversou
com a mulher samaritana, que tinha fama de ser a pecadora da cidade, ao ponto
de os seus próprios discípulos se admirarem (cf. Jo 4.27). Se Jesus tivesse
posto os usos e costumes acima do amor, aquela alma perdida provavelmente
estaria hoje no inferno. Agora pare para pensar: quantos outros não são jogados
no inferno pela igreja para que essa possa preservar a própria imagem, com a
desculpa de ter que ser luz e sal na Terra?
Se,
porém, você estiver inserido entre os descrentes mais conservadores – fora do
meio religioso eles são minoria, mas existem – prepare-se para tirar qualquer
tipo de adereço, compre roupas sociais, afine o seu linguajar para um
vocabulário mais formal e talvez assim eles lhe ouçam.
Enfim,
no que se refere a abrir mão de liberdades para o bem da propagação do
Evangelho, sigamos o exemplo de Paulo:
“Procedi, para com os judeus, como
judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como
se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não
esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando
sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem
fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os
fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar
alguns.” (1 Co 9.20-22).