sábado, 5 de setembro de 2015

O espírito nicodêmico

Nicodemos foi um homem da seita farisaica, maioral entre os judeus, e mestre em Israel (cf. João 3).  Para mim, a maior marca de Nicodemos era o receio de ser visto como um seguidor de Jesus em detrimento dos seus cargos na sinagoga.

Em João 3, em sua primeira aparição Bíblica, ele vai ter com Jesus escondido, de noite. Após isso, em João 7, quando os fariseus discutiam acerca da possibilidade de prender Jesus, Nicodemos até tenta defendê-lo: “Acaso, a nossa lei julga um homem, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?” (vs. 51), mas ao ser contraditado pelos demais, silenciou.    

Nicodemos conhecia Jesus, e acreditava que Ele era enviado por Deus (cf. Jo 3.2), mas tinha medo de enfrentar a sinagoga para defendê-lo. Ele sabia que defender os ensinos de Jesus no meio da religião constituída sempre resultava em exclusão. A religião institucional geralmente não suporta Jesus. Nicodemos não estava preparado para abdicar daquilo que a religião lhe oferecia para segui-lo.

Ele era considerado mestre em Israel, certamente lia todos os livros dos teólogos mais conhecidos do passado e de sua época; devia conhecer a história e a tradição do seu povo como ninguém. Também era considerado maioral dos judeus, sua vida moral certamente era irrepreensível aos olhos humanos. Tudo isso era incrível para os homens, mas não realizava nada diante de Deus. Ele servia para ser tudo para os homens, mas não servia para ser discípulo de Jesus.

O discípulo quando contraditado, por medo, pode até negar, mas depois chora amargamente arrependido. O discípulo não se vende, preferindo ser fazedor de tendas a comer o pão da falsa religião. O discípulo, embora tenha muito conhecimento teórico, prefere reputar tudo como refugo, caso esses ensinos não estejam ligados a Jesus. O discípulo prefere ser caluniado, apedrejado e preso pelas verdades do evangelho que se vender à doutrina dos anciãos.

Se Nicodemos foi salvo? Talvez tenha sido, caso tenha se arrependido e decidido encarnar a verdade do evangelho de fato, sem se preocupar com o que os outros pudessem pensar. Mas a salvação dele não é o que quero discutir aqui. O que quero mostrar é que o espírito nicodêmico pode atacar qualquer um que começa a conhecer a verdade em Jesus, especialmente os que passaram vários anos da vida presos à sequidão de alguma religião vazia.

Podemos ver a diferença clara entre o discípulo e os que se deixam levar pelo espírito nicodêmico na história do cego de nascença, em João 9.

Naquela ocasião Jesus curou um homem cego de nascença, algo inaudito em Israel. Todos deveriam reconhecê-lo como Senhor e se alegrar pela cura realizada, correto? Porém, Jesus realizou essa cura supostamente “quebrando” um mandamento. Ele curou a pessoa em dia de sábado, e isso chegou aos ouvidos dos fariseus.

“Por isso, alguns dos fariseus diziam: Esse homem não é de Deus, porque não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tamanhos sinais? E houve dissensão entre eles.” (João 9.16).

Como os fariseus se preocupavam mais com letras do que com vidas humanas, não aceitavam o fato de que Jesus era o Messias por ter feito algo que segundo eles não se devia fazer em dia de sábado. Só acreditariam na cura se o cego e seus familiares testemunhassem.

Quando a pergunta foi feita ao ex-cego, evidenciou-se que ele se tornara de fato discípulo, pois destemidamente confessou Jesus: “De novo, perguntaram ao cego: Que dizes tu a respeito dele, visto que te abriu os olhos? Que é profeta, respondeu ele.” (vs. 17).

Todavia, os fariseus não acreditaram no homem, e chamaram seus pais: “Então, os pais responderam: Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como vê agora; ou quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Perguntai a ele, idade tem; falará de si mesmo. Isto disseram seus pais porque estavam com medo dos judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da sinagoga.” (vs. 20-22).

Os pais, embora tendo visto o poder de Deus na vida do próprio filho, se deixaram levar pelo espírito nicodêmico e tiveram medo de perder o espaço que tinham na sinagoga.

Hoje as igrejas em geral também negam os ensinos do evangelho – embora usem o nome de Jesus; ou são liberais ao ponto de não seguirem coisas que estão escritas, ou são tradicionais ao ponto de acrescentarem doutrinas e tradições humanas ao que está escrito. A Palavra, todavia, diz: “não ultrapasseis o que está escrito” (1 Co 4.6); “ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gl 1.8).

A questão é: você que percebe que sua igreja não está andando conforme Jesus, vai se vender à doutrina humana da igreja, ou vai lutar pelo evangelho da graça de Deus? Você está acomodado ao que a sinagoga oferece e não acha que é importante lutar pela real verdade do Evangelho?

É chegada a hora de você decidir se você é um Nicodemos ou se é realmente um discípulo de Jesus.

“Eu [Jesus] vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que [acham que] veem se tornem cegos.” (João 9.39).