Quando alguém diz que deixou de
ser calvinista, os demais calvinistas logo se levantam e arrogantemente começam
a dizer que essa pessoa só está deixando o calvinismo porque não estudou o
bastante. Os mais exagerados chegam ao ponto de dizer que você se tornou um
herege. Bom, eu entendo esses irmãos, pois se alguém foi zeloso em defender
essa doutrina, esse fui eu. Li de tudo, desde a própria Bíblia até os livros
dos autores mais renomados, começando por Agostinho, passando por Calvino,
entrelaçando-me com os Puritanos, chegando em Spurgeon e findando em MacArthur,
John Piper e Paul Washer. Inclusive estava escrevendo um livro intitulado “Raça
Eleita” que falava exatamente sobre a TULIP, onde faltava-me apenas um capítulo
para finalizá-lo. Aqui mesmo neste Blog escrevi vários textos enfatizando esse
tema. Cheguei a colar aqui um dos capítulos do livro supracitado, o título do
capítulo era “Livre Arbítrio, um Delírio”. Todos esses textos foram apagados, e
se Deus quiser esse livro nunca será publicado.
Você deve estar se perguntando
como alguém chegou num limite tão fatalista na doutrina da predestinação como
eu. Ora, todos os calvinistas acabam chegando nesse nível horrível. Não existe
calvinista apenas de dois ou três pontos, os que assim se intitulam não
conhecem realmente a doutrina calvinista. Se eu sentasse 10 minutos com esse
suposto calvinista eu provaria que ele não poderia crer apenas em metade da
doutrina sem ser incoerente.
Tudo parte de um pressuposto
básico: todos os homens estão mortos em seus delitos e pecados (cf. Ef 2.1; Rm
3). Se todos estão mortos espiritualmente, os mesmos são incapazes de responder
com fé a qualquer apelo espiritual. Se eles são incapazes de responder com fé,
Deus é quem age dando-lhes fé com o fim de chama-los a salvação (Graça
Irresistível). Esses a quem Deus decide chamar são denominados pela Bíblia de
“Eleitos”, os quais, conforme Romanos 9, foram escolhidos por Deus antes da
fundação do mundo para serem conforme a imagem do seu Filho (Eleição
Incondicional). Logo, se só esses são os designados para a salvação, Jesus veio
apenas para salvar esse grupo (Expiação Limitada). Se esse grupo realmente vai
ser chamado irresistivelmente por Deus e por Ele foi eleito, Deus não permitirá
que eles percam a fé e os guiará até o fim, pois se eles se desviassem Deus
teria errado, e Deus não pode errar (Perseverança dos Santos). Assim concluímos
resumidamente os cinco pontos do calvinismo. Tudo isso tem embasamento bíblico
e, como podemos ver, um ponto depende do outro – com exceção do último, que é
crido separadamente em algumas doutrinas.
Então, qual o problema dessa
doutrina? Ora, o problema é simples: essa percepção de Deus não se encaixa com
o Deus/Amor que a Bíblia apresenta a TODOS os homens. Ninguém é capaz de
entender o que acontece na enorme lacuna entre a inerte morte do pecador e a
resposta de fé feita pelo mesmo. Por isso, o primeiro ponto do calvinismo, que
é a base de todos os outros, se torna incompleto. Ele explica apenas o começo
(morte espiritual), e a situação final (fé dada por Deus), mas não explica o
que ocorre entre essas duas situações. Eu, por exemplo, acredito que nessa
lacuna é concedida uma iluminação especial (cf. Hb 4.6-8) dada por Deus
através do Espírito Santo para capacitar o pecador morto em escolher seguir ou
não a Jesus. É como uma criança que, por ser baixa, não consegue alcançar uma
fruta no topo de uma árvore. Mas, alguém vai lá e levanta a criança ao ponto de
permiti-la alcançar. A partir daí ela tem a opção de pegar ou não a fruta. Assim
é o homem morto espiritualmente quando iluminado por Deus. E essa iluminação é
dada a todos os homens em alguma época de sua vida.
Entendido isso, somos tentados a
imaginar que caímos em um sofisma. Afinal, embora sabendo que Deus é quem dá a
fé (cf. Ef 2.8), vimos anteriormente que antes disso Ele mesmo espera de nós uma
ação, ou um pedido, proveniente da iluminação: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos,
quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc
11.13). A grande questão é: como essa decisão humana impacta no que já foi
determinado por Deus na eternidade passada? Esse pensamento não daria margem
para que o grupo que foi eleito antes da fundação do mundo tivesse a escolha de
não aceitar crer, ou que os que estivessem fora do grupo pudessem vir a aceitar
crer, levando assim Deus a um possível erro na eleição que Ele fizera? Devemos
primeiramente saber que Deus não erra, nós é que não entendemos como Ele
trabalha. Não entendemos porque somos limitados ao espaço-tempo e só conseguimos
raciocinar baseado nessa percepção. Deus não está restrito a essa linearidade e
pode agir como lhe aprouver. Assim, como posso tentar entender a causa e o
efeito da aceitação humana nos planos de Deus, se não sou capaz de entender o
seu agir? O próprio apóstolo Paulo chegou a essa conclusão em Romanos 11 – quando
falava nesse mesmo assunto, só que aplicado ao povo de Israel e aos gentios – onde
falava que havia uma eleição feita a Israel (oliveira natural), mas que pela
incredulidade foram arrancados, e os gentios (oliveira brava) foram enxertados.
Como essa retirada e esse enxerto se encaixava com a doutrina da eleição Paulo
não entendia. O que ele afirmava contundentemente é que a oliveira natural foi
arrancada pela incredulidade, e a brava foi enxertada pela fé. Portanto, de
alguma forma Deus encaixa as ações de fé e as ações de incredulidade humana com
seus propósitos eternos. Como acontece isso? Vou dar a mesma resposta que Paulo
deu ao final de Romanos 11:
“Ó profundidade da riqueza, tanto
da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11.33)
É importante não cairmos em
nenhum dos dois extremos, por isso nem sou calvinista nem sou arminiano. O
equilíbrio bíblico é justamente aceitar que Deus é soberano e ao mesmo tempo
nos concede a capacidade de escolher – não só no quesito salvação, mas na nossa
vida comum também.
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