sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Motivos Que Me Fizeram Deixar o Calvinismo

Quando alguém diz que deixou de ser calvinista, os demais calvinistas logo se levantam e arrogantemente começam a dizer que essa pessoa só está deixando o calvinismo porque não estudou o bastante. Os mais exagerados chegam ao ponto de dizer que você se tornou um herege. Bom, eu entendo esses irmãos, pois se alguém foi zeloso em defender essa doutrina, esse fui eu. Li de tudo, desde a própria Bíblia até os livros dos autores mais renomados, começando por Agostinho, passando por Calvino, entrelaçando-me com os Puritanos, chegando em Spurgeon e findando em MacArthur, John Piper e Paul Washer. Inclusive estava escrevendo um livro intitulado “Raça Eleita” que falava exatamente sobre a TULIP, onde faltava-me apenas um capítulo para finalizá-lo. Aqui mesmo neste Blog escrevi vários textos enfatizando esse tema. Cheguei a colar aqui um dos capítulos do livro supracitado, o título do capítulo era “Livre Arbítrio, um Delírio”. Todos esses textos foram apagados, e se Deus quiser esse livro nunca será publicado.

Você deve estar se perguntando como alguém chegou num limite tão fatalista na doutrina da predestinação como eu. Ora, todos os calvinistas acabam chegando nesse nível horrível. Não existe calvinista apenas de dois ou três pontos, os que assim se intitulam não conhecem realmente a doutrina calvinista. Se eu sentasse 10 minutos com esse suposto calvinista eu provaria que ele não poderia crer apenas em metade da doutrina sem ser incoerente.

Tudo parte de um pressuposto básico: todos os homens estão mortos em seus delitos e pecados (cf. Ef 2.1; Rm 3). Se todos estão mortos espiritualmente, os mesmos são incapazes de responder com fé a qualquer apelo espiritual. Se eles são incapazes de responder com fé, Deus é quem age dando-lhes fé com o fim de chama-los a salvação (Graça Irresistível). Esses a quem Deus decide chamar são denominados pela Bíblia de “Eleitos”, os quais, conforme Romanos 9, foram escolhidos por Deus antes da fundação do mundo para serem conforme a imagem do seu Filho (Eleição Incondicional). Logo, se só esses são os designados para a salvação, Jesus veio apenas para salvar esse grupo (Expiação Limitada). Se esse grupo realmente vai ser chamado irresistivelmente por Deus e por Ele foi eleito, Deus não permitirá que eles percam a fé e os guiará até o fim, pois se eles se desviassem Deus teria errado, e Deus não pode errar (Perseverança dos Santos). Assim concluímos resumidamente os cinco pontos do calvinismo. Tudo isso tem embasamento bíblico e, como podemos ver, um ponto depende do outro – com exceção do último, que é crido separadamente em algumas doutrinas.

Então, qual o problema dessa doutrina? Ora, o problema é simples: essa percepção de Deus não se encaixa com o Deus/Amor que a Bíblia apresenta a TODOS os homens. Ninguém é capaz de entender o que acontece na enorme lacuna entre a inerte morte do pecador e a resposta de fé feita pelo mesmo. Por isso, o primeiro ponto do calvinismo, que é a base de todos os outros, se torna incompleto. Ele explica apenas o começo (morte espiritual), e a situação final (fé dada por Deus), mas não explica o que ocorre entre essas duas situações. Eu, por exemplo, acredito que nessa lacuna é concedida uma iluminação especial (cf. Hb 4.6-8) dada por Deus através do Espírito Santo para capacitar o pecador morto em escolher seguir ou não a Jesus. É como uma criança que, por ser baixa, não consegue alcançar uma fruta no topo de uma árvore. Mas, alguém vai lá e levanta a criança ao ponto de permiti-la alcançar. A partir daí ela tem a opção de pegar ou não a fruta. Assim é o homem morto espiritualmente quando iluminado por Deus. E essa iluminação é dada a todos os homens em alguma época de sua vida.

Entendido isso, somos tentados a imaginar que caímos em um sofisma. Afinal, embora sabendo que Deus é quem dá a fé (cf. Ef 2.8), vimos anteriormente que antes disso Ele mesmo espera de nós uma ação, ou um pedido, proveniente da iluminação: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc 11.13). A grande questão é: como essa decisão humana impacta no que já foi determinado por Deus na eternidade passada? Esse pensamento não daria margem para que o grupo que foi eleito antes da fundação do mundo tivesse a escolha de não aceitar crer, ou que os que estivessem fora do grupo pudessem vir a aceitar crer, levando assim Deus a um possível erro na eleição que Ele fizera? Devemos primeiramente saber que Deus não erra, nós é que não entendemos como Ele trabalha. Não entendemos porque somos limitados ao espaço-tempo e só conseguimos raciocinar baseado nessa percepção. Deus não está restrito a essa linearidade e pode agir como lhe aprouver. Assim, como posso tentar entender a causa e o efeito da aceitação humana nos planos de Deus, se não sou capaz de entender o seu agir? O próprio apóstolo Paulo chegou a essa conclusão em Romanos 11 – quando falava nesse mesmo assunto, só que aplicado ao povo de Israel e aos gentios – onde falava que havia uma eleição feita a Israel (oliveira natural), mas que pela incredulidade foram arrancados, e os gentios (oliveira brava) foram enxertados. Como essa retirada e esse enxerto se encaixava com a doutrina da eleição Paulo não entendia. O que ele afirmava contundentemente é que a oliveira natural foi arrancada pela incredulidade, e a brava foi enxertada pela fé. Portanto, de alguma forma Deus encaixa as ações de fé e as ações de incredulidade humana com seus propósitos eternos. Como acontece isso? Vou dar a mesma resposta que Paulo deu ao final de Romanos 11:

“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11.33)


É importante não cairmos em nenhum dos dois extremos, por isso nem sou calvinista nem sou arminiano. O equilíbrio bíblico é justamente aceitar que Deus é soberano e ao mesmo tempo nos concede a capacidade de escolher – não só no quesito salvação, mas na nossa vida comum também. 

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