sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Predestinação e Liberdade Humana

É extremamente difícil de conciliar a doutrina da predestinação com a da liberdade humana. Afinal, aparentemente uma ideia se contrapõe a outra. Ora, como que pode haver algo predestinado se a liberdade humana pode “bagunçar” o plano que outrora fora traçado?

É por isso que geralmente os teólogos militam nos extremos das duas ideologias; ou se acredita numa predestinação total, em que nós somos meros robôs cumprindo o calendário estabelecido pela divindade; ou se acredita que Deus apenas ativou o universo e saiu de cena, deixando a humanidade entregue às consequências das próprias decisões.

O problema desses dois pensamentos é que eles pensam que a ação de Deus está restrita ao passado, presente e futuro. No entanto, para entendermos esse tema precisamos entender que Deus não está restrito a essas esferas.



Acima temos um gráfico do espaço-tempo que mostra toda a criação de Deus durante todas as épocas. A parte preta do gráfico nos remete ao Nada (com letra maiúscula). No entanto, é impossível imaginarmos o Nada, por isso está representado pela cor preta. Quando tentamos imaginar o Nada, geralmente pensamos no vácuo, mas até mesmo o vácuo é alguma coisa, pois faz parte da criação e está inserido dentro do gráfico do espaço-tempo, assim como a cor preta também está. É impossível imaginarmos o Nada porque ele está para fora das paredes da criação, por isso tentamos representá-lo de alguma forma.

É esse o nível de complexidade que temos que admitir ao tentar entender o agir de Deus. Assim como o “Nada” do gráfico, Deus também não foi criado – Ele foi quem criou todas as coisas – e, por não ter sido criado, não está inserido no gráfico do espaço-tempo da criação. Assim, Ele não está restrito, como nós, ao passado, presente e futuro. É como se o tempo, para Ele, acontecesse de forma simultânea.

Mesmo nesse nível de complexidade, tentarei expressar o que penso a esse respeito, mas, como dito anteriormente, quase tudo não passará de mera conjectura, posto o assunto estar fora do nosso alcance intelectual.

Assim, por saber que Deus não se encaixa nas noções de tempo humanas, por serem restritas a linearidade, eu não acredito de forma alguma no extremismo calvinista que prega que tudo está fatalmente determinado linearmente, como se fôssemos robôs. Creio que há uma relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana.

Acredito que para cada decisão que tomamos, caímos em um universo paralelo diferente. É como se existissem milhares de linhas temporais possíveis, mas nossa decisão pessoal nos leva a cada uma delas. Segue abaixo um desenho simplificado dessa ideia:


Assim, conforme vamos escolhendo, Deus vai determinando nosso destino. No entanto, precisamos conciliar o pensamento demonstrado na ilustração acima com o que diz Davi no seguinte versículo: “no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.” (Salmos 139.16).

É agora que entra a chave para entendermos todo o processo. Para alguns, Deus fez uma determinação no passado que não pode ser alterada pelas nossas escolhas, pois se alterássemos faríamos Deus errar, e isso não pode acontecer.

No entanto, ao pensar nisso é preciso inserir na equação a variável que falei anteriormente: Deus não está restrito ao tempo, por isso não tem como Ele ter feito alguma coisa. Deus faz, Ele é. O que quero dizer é que a predeterminação dele não está presa no passado, posto que para ele tudo (passado, presente e futuro) é simultâneo. Ou seja, Ele pode traçar uma nova linha determinística de acordo com as decisões que tomarmos como se Ele estivesse agora no passado.


No livro de Reis podemos verificar claramente a atuação de Deus em relação às linhas temporais: “Toma as flechas. Ele as tomou. Então, disse ao rei de Israel: Atira contra a terra; ele a feriu três vezes e cessou. Então, o homem de Deus se indignou muito contra ele e disse: Cinco ou seis vezes a deverias ter ferido; então, feririas os siros até os consumir; porém, agora, só três vezes ferirás os siros.” (2 Reis 13.18,19). Jeoás, rei de Israel, foi ao profeta Eliseu para saber se Deus abençoaria a Israel na batalha contra os siros. Para verificar a fé do rei, o profeta pede que ele realize uma tarefa aparentemente boba: atirar flechas ao chão. Por não acreditar muito na palavra de Eliseu, o rei pega as flechas e atira apenas três ao chão. O rei tinha o direito de escolher atirar quantas flechas quisesse, mas ele escolheu a linha temporal de atirar apenas três flechas. O próprio Eliseu afirma que se a escolha tivesse sido cinco ou mais flechas, ele feriria totalmente os siros, mas o rei não fez assim. Uma linha temporal ia por um caminho, a outra linha temporal ia por outro. Infelizmente, por falta de fé, ele escolheu o pior.

Assim, nossas escolhas movem nosso destino. Se não trancarmos a porta da casa, um ladrão poderá entrar; se podemos pagar um seguro veicular e não fazemos, um dano poderá ocorrer; se não corrermos atrás de trabalho, passaremos necessidade. Enfim, devemos agir correta e prudentemente em tudo o que estiver ao nosso alcance, caso contrário, colheremos as consequências. Só assim o homem pode ser cobrado pelas suas ações no dia do juízo final.

Em contrapartida, o universo não está solto somente às nossas escolhas. Existem situações em que Deus intervém conforme Ele acha que deva intervir. E quais situações são essas, exatamente? Não sei, Deus é quem sabe! Mas separei alguns textos bíblicos que mostram a atuação divina sobrepondo-se à decisão humana.

Um dos textos que mostra claramente a interferência de Deus no livre arbítrio é o seguinte: “Tendo Faraó deixado ir o povo, Deus não o levou pelo caminho da terra dos filisteus, posto que mais perto, pois disse: Para que, porventura, o povo não se arrependa, vendo a guerra, e torne ao Egito.” (Ex. 13.17). Deus, sabendo que o povo tinha liberdade de escolha, preferiu que Moisés guiasse-os por outro caminho, pois pela presciência divina Ele sabia que se o povo visse a guerra no território filisteu, teria medo e voltaria ao Egito. Então, Ele faz Moisés guia-los por um caminho mais distante, não os deixando cair na linha temporal que os faria escolher voltar ao Egito.

O caso mais usado para defender a predestinação fatalista é o de Faraó, por conta de uma interpretação errônea do que Paulo escreveu em Romanos 9: “Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra.”

Para alguns, Deus criou Faraó como um robô, programado com um coração endurecido para que resistisse a ordenação divina e não deixasse sair o povo. Eu não creio assim. Acredito que Faraó foi uma pessoa comum como eu e você, mas que se deixou corromper pelo pecado da arrogância. Após ele mesmo se deixar engodar pelo pecado da arrogância, Deus o “levantou” como governador do Egito, porque sabia que o coração arrogante dele faria com que resistisse às ordenações divinas. Se outro homem de coração humilde tivesse subido à posição de Faraó, o propósito de Deus não se cumpriria. Então, Deus interfere na história e usa meios para que o homem que Ele quisesse chegasse à posição de governador do Egito.

A narrativa do Êxodo diz que o coração de Faraó se endureceu ao Moisés fazer a primeira solicitação do povo sair do Egito. Creio que esse endurecimento também não foi robotizado, mas Deus usou situações para que isso acabasse acontecendo. A narrativa diz que nas duas primeiras vezes que Moisés foi falar com ele para que deixasse ir o povo, os seus feiticeiros conseguiram repetir os milagres feitos por Moisés. Assim, o fato de os feiticeiros terem conseguido repetir fez com que ele desacreditasse nos sinais divinos e não deixasse o povo sair. Nos milagres seguintes os feiticeiros não conseguiram repetir os feitos de Moisés, mas o orgulhoso Faraó não voltaria atrás na palavra de proibição que havia dado.

Poderia citar várias histórias, como a mais conhecida, a de Jonas, que mostra a ação de Deus usando situações para interferir no livre arbítrio humano. Mas, acredito que as citadas já servem para demonstrar como funciona meu raciocínio. Eu penso que o livre arbítrio existe, mas de forma mitigada. Podendo Deus intervir como bem quiser na história da humanidade. Se o bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo, Deus pode muito bem fazer essa mesma asa parar de bater para que o tufão seja evitado.

Até mesmo os problemas existentes na humanidade são resultantes de decisões pecaminosas do homem. Se existiu escravatura, foi porque homens cruéis subjugaram inocentes para maximizar seu lucro; se existem guerras, é em função da sede por poder político e financeiro dentro do coração humano; se existe fome na África, é porque o país foi saqueado pelos colonizadores e mal administrado por anos, chegando à situação que está hoje. Enfim, Deus não tem culpa dos problemas da humanidade. Ele deu o governo da Terra ao homem no Éden, e as decisões humanas trazem consequências sobre nosso planeta. O homem destrói a si mesmo e depois tenta jogar a culpa em Deus.

Finalmente, existem os desastres naturais, esses sim podem ser atribuídos a Deus – ainda que poderia conjecturar que boa parte desses desastres naturais também são resultantes da má administração do homem, como o aquecimento global, derretimento das calotas polares, etc. Mas, como venho falando durante todo o texto, Deus sempre intervém na história da humanidade conforme queira, e eu não vejo problema nenhum caso um desastre natural tenha sido enviado por Ele.

2 comentários:

  1. Deus nao tem os nossos limites. Nao precisa relogio, calendario, para ele nao ha passado, nem futuro. Tudo isso pertence ao ser humano. Esse assunto eh complicado porque Deus eh alem da nossas compreensao. Muito bem lembrado. (ainda nao li o artigo todo... rsrsrs)

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    1. É verdade, Deus é muito além do nosso alcance intelectual.

      Muito bom tê-lo aqui acompanhando o Blog. Abraços!

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