domingo, 21 de outubro de 2018

Religião & Política


A participação das igrejas nas campanhas eleitorais tem se mostrado cada dia mais crescente na realidade brasileira. Esse fenômeno tomou tanta proporção, que é possível dizer que o posicionamento político de alguns líderes Evangélicos e/ou Católicos pode mudar o rumo de uma corrida presidencial. No entanto, até onde é saudável a igreja se envolver com a política?

Não há nenhuma menção nos Evangelhos de militância política por parte de Jesus. Ele nunca buscou Pilatos, Herodes, ou César para que os mesmos o ajudassem na disseminação do Evangelho. Também não encontramos nenhuma indicação de que os Apóstolos ou discípulos tenham feito o mesmo.

O que Jesus fala sobre política é que devemos dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Essa afirmação mostra claramente que Jesus defendia que as duas coisas deviam andar separadas.

A recomendação dos Apóstolos é que a postura do discípulo deve ser de orar pelas autoridades, para que se possa viver vida tranquila e mansa, sem as perseguições que eram comuns àquela época (cf. 1 Timóteo 2.1-2). Parece-me que a grande preocupação dos Apóstolos era simplesmente orar para que os governos comumente tirânicos daquela época os deixassem em paz para viver e pregar o Evangelho. Mas, nem mesmo essa preocupação era transformada em pauta política, pois não se sabe de nenhuma “manifestação dos cristãos primitivos pela liberdade de pregação”. A recomendação apostólica era de simplesmente, em silêncio, orar pelos governantes.

É preciso lembrar que foi a política – emulada pela religião – que matou Jesus e, posteriormente, muitos dos seus discípulos. Nos meus textos eu combato veementemente a potestade da religião, que foi a principal responsável pela perseguição e morte de Jesus e dos discípulos, mas não podemos esquecer que a religião não teria conseguido fazer o que fez se não tivesse tido o apoio da política. A religião e a política por si só já podem ser monstros extremamente danosos às pessoas. No entanto, quando a política e a religião se unem, cria-se um monstro degeneradamente perverso que sempre finda perseguindo o verdadeiro Evangelho e seus representantes. Foi exatamente quando a religião se misturou com política que tivemos as maiores calamidades da história da humanidade.

Porém, a igreja não entende o mal dessa mistura, e quer a qualquer custo enfiar goela abaixo a sua pauta através da política. Não estou dizendo que os cristãos não devam ter uma posição sobre os assuntos da vida. O problema é transformar essa posição numa militância política. Jesus, por exemplo, tinha posições sobre todas as coisas, mas nunca militou politicamente por elas.

Isso ocorre porque se ele buscasse apoio político para que as pessoas seguissem seus ensinos, não haveria sinceridade em seus seguidores, mas apenas uma observância mecânica à lei. Jesus quer ser seguido por liberdade de consciência em fé, e não por uma imposição política à sociedade.

Imagine se todos fossem heterossexuais porque existe uma “lei cristã” que proíba as pessoas de expressarem sua homossexualidade? Isso não faz sentido! Deus não quer obediência forçada. Caso contrário, seria melhor que Deus tivesse criado todos nós como meros robôs, sem capacidade de decisão. Porém, ele dá liberdade a todos para seguirem ou não seu ensino justamente para que cada um seja cobrado pelo modo com que fez uso de sua liberdade.

Portanto, não transforme sua fé numa militância, não crie uma “Ditadura Cristã” sobre a vida alheia! Até porque, isso não traz resultado algum que não seja repulsa. Para toda ação existe uma reação. Quanto mais os cristãos tentam fazer descer por goela abaixo seus princípios, mais repulsa da sociedade eles colhem.

E mais, toda essa militância política tem feito mal aos pregadores do Evangelho, sejam eles de Direita ou de Esquerda. Quando um pastor começa a militar na política por um lado, ele fecha a porta para a pregação do Evangelho aos que estão do outro lado do espectro político, pois os mesmos não vão querer ouvi-lo. Isso só faz mal à propagação do Evangelho e às vidas que poderiam ser beneficiadas com a mensagem.

É bem verdade que naquela época nem Jesus nem os Apóstolos viviam numa democracia. Talvez isso explique sua pouca participação na política, pois realmente era inviável lutar por algo em um governo totalitário. Mas, será que se Jesus estivesse em nosso meio, vivendo nossa democracia, ele se engajaria na causa dum partido, seja ele qual for? Acho muito difícil! Jesus é Jesus demais pra isso! Se ele não cabe nem em caixinha teológica, quanto menos caberia em caixinha de ideologia partidária? Diante dessa incerteza sobre como Jesus agiria em um contexto democrático, deixo os seguintes conselhos aos que buscam se envolver com política:

1 – Siga o princípio deixado por Jesus de separar as coisas. É justamente o “dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Isto é, quando luto por política, minha causa é meramente terrena e social, pois busco a progressão e organização da sociedade de forma justa e igualitária a todos. Não luto para impor minha fé a ninguém através da força do Estado. Como disse Paulo, “A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus” (Rm 14.22). Logo, lute por liberdade no que se refere às decisões pessoais: quem quiser usar drogas, que use, mas quem quiser se abster em nome da sua fé, que faça; quem quiser ser homossexual, que seja, mas quem quiser se abster em nome da sua fé, que faça; quem quiser ir a um culto, que vá, mas quem quiser ser ateu, que seja. É esse tipo de obediência que Deus quer: movida por pura liberdade de consciência em fé.


2 – Não cause escândalo. Um amigo meu, cuja fé creio ser sincera, resolveu deixar de apoiar Jair Bolsonaro só pelo fato de muitas pessoas terem repulsa a figura dele. Achei essa atitude fantástica. Depois da atitude dele, eu mesmo repensei sobre até onde devo ir na minha militância política. Chega um momento que o desgaste não vale a pena. A própria igreja evangélica ainda não percebeu o que perdeu ao apoiar massivamente um candidato que, pela mensagem de ódio que propaga, é recordista em rejeição pela sociedade ao ponto de ter sido até esfaqueado. A sociedade nunca mais verá a igreja evangélica com os mesmos olhos depois dessas eleições. E não lhes tiro a razão, posto creio ser impossível professar pregar o amor de Deus e ao mesmo tempo apoiar um candidato que propaga o ódio. Aliás, a instituição como um todo não deveria apoiar candidato nenhum, pois o objetivo principal da igreja deve ser espiritual. No entanto, algumas instituições religiosas acabaram quase que virando partidos políticos.

3 – Aja com “espírito de moderação”. Devemos ter cuidado para não enfatizar demais as pautas sociais em detrimento das espirituais. Digo isso porque conheço alguns pastores que quase viraram cientistas políticos nessas eleições, se esquecendo de pregar o Evangelho. Portanto, não podemos esquecer nossa prioridade como cristãos que é viver o Evangelho e pregá-lo aos que quiserem ouvir. Nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestes.

4 – Não seja fanático por um político. Nossa adoração e confiança irrestrita devem ser a Deus e somente a ele. Tenha sempre desconfiança e um pé atrás antes de defender qualquer político. “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do SENHOR!" (Jeremias 17:5). Eu mesmo demorei muito para aceitar esse ponto nessas eleições. A paixão cega encobre os defeitos. Apaixonei-me cegamente por Ciro Gomes e sofri um pouco com isso. Ainda creio que ele é o melhor candidato para o Brasil, mas deixei de lado algumas práticas de defesa a ele, pois já estavam beirando o fanatismo.

Creio que esses quatro conselhos são os principais, deles se ramificam qualquer outro. Ainda é muito difícil traçar uma linha delimitando até onde é correto militar politicamente. Acredito que de acordo com a sua realidade contextual o Espírito Santo irá lhe orientar até onde você deve ir nessa luta. Em minha opinião, se lhe for possível, fuja da militância político-partidária, pois essa potestade só traz ódio, trapaças, intrigas, dor, corrupção, e tristeza. Mas, se não pode omitir-se diante das mazelas sociais que estão ao nosso redor, digo-lhe que ao menos faça da forma mais cristã possível, lembrando sempre que nosso objetivo maior não é esse.

Nele, que nunca se apoiou em político nenhum, mas mesmo assim conseguiu mudar o mundo.




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